quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Recordando


VILA ISABEL 1988

KIZOMBA, A FESTA DA RAÇA

Na história do Brasil a palavra "liberdade e resistência" aparece em inúmeros episódios de guerras e revoluções. Mas entretanto não com tanta freqüência nas linhas que narram a triste epopéia do negro e a escravidão.

O cativeiro não era apenas vergonhoso: era, antes de tudo, uma indignidade. Emparedados na sufocação da senzala, comendo couve e angu, que fazer? O único pensamento do escravo era a liberdade. Como se a liberdade fosse palavra que pudesse andar em sua boca... Que competia a esses enterrados vivos senão quebrar os grilhões e afrontar a morte? Fugir. No Brasil-Colônia esses parias de Deus inventaram os mocambos. Nasceram os quilombos, que eram a reação mais humana em favor da própria liberdade. Na Serra da Barriga, nos vales de Alagoas, nascera o maior e o mais famoso quilombo que o Brasil já conhecera. O Zumbi Gangazuma, nos Palmares alagoanos, ameaçou as instituições do tempo nos belos covis da Serra da Barriga. Não tolerando mais trabalhos e sangrentos castigos, um negro fugia levando outro vizinho, irmão de igual sorte. Iam para o mato, aquilombavam-se. Com a noticia daquela fuga, outros iam ter com eles. No sossego apreensivo do mato se escondiam agora alguns infelizes. Sem surpresa, aparecia mais gente... iam se amparando, protegendo, com bravura homicida.

A fuga era regresso à vida nativa, das terras da África. O quilombola reabilitava o homem na sua natureza instintiva, recalcada pelos frios preconceitos senhoriais: ali as forças se dilatavam, em explosões da carne indomável. O negro tinha direitos. A pessoa humana se via restabelecida nos direitos da carne, das atitudes, da personalidade. Podiam amar, ser amados, considerar filhos coisa sua e, o que é mais importante __enquadrar a espécie, os descendentes, no clima de liberdade, e sob as bênçãos de Xangô. Mas estas instituições ameaçavam a Coroa e assim como muitos degredados, Palmares recebeu seu jugo e seus habitantes foram dizimados. Mas o líder não se rendera. Antes a morte do que os grilhões. E assim o fez ao dar fim a sua própria vida, encurralado, porém mais Rei do que nunca.

Os portugueses clamava sua vitória sobre Palmares, é certo; mas não conseguiram extinguir a chama da liberdade que se espargiu por mais 200 anos seguintes. Mas liberdade mesmo o negro só gozaria definitivamente e vergonhosamente em 1888. Então, para celebrar e lembrar este centenário em 1988, uma escola de samba carioca evocava Zumbi, na sua Kizomba: a festa da raça.

Mas o que vimos na Sapucaí parecia não ser uma simples festa de carnaval ou um desfile didático contando uma história. A Vila Isabel foi alem de tudo isso. O fenômeno "samba no chão e canto" dava aula de como se fazer uma ESCOLA DE SAMBA NEGRA. Ora, pois pra mim parecia que os próprios quilombolas de Palmares encarnaram-se sobre seus 2500 componentes. Era uma festa da liberdade. Uma garra impressionante. Uma comunidade humilde se inchava de orgulho e eram donos da cena. Uma festa negra de fato. Um acontecimento memorável da história do carnaval carioca dos anos 80. Milton Siqueira, Paulo César Cardoso e Ilvamar Magalhães, idealizadores da festa, resistiram a tantos percalços e finalmente levou a avenida o maior desfile da Vila Isabel. Mas Kizomba foi alem disso. Seu desfile, alem de celebrar a liberdade, devolvia ao negro a sua identidade e resgatava a sua cultura revigorando em nós, brancos sambistas, o nosso orgulho mestiço, por que em nossas veias também corre o sangue do negro. Ainda bem. E num período onde os ecos das Diretas Já ainda se fazia ouvir, onde o Brasil se estreitava com Angola seus laços diplomáticos em tom de perdão, onde a África ainda tentava enxugar as lágrimas do Apartheid, o Rio e a Vila Isabel cantava a liberdade sob a mesma lua que em Luanda prateava seus irmãos de além-mar. E nada mais correto que o carnaval para este momento, pois afinal o negro deu a sua contribuição, senão a maior.

E o que dizer deste samba-enredo? Bem isso eu deixo a vocês, por que parece que qualquer coisa que eu venha a dizer sobre o mesmo parece pequeno diante desta uma obra prima. E assim, citando os versos de Rodolpho, Jonas e do grande nome do samba, Luiz Carlos da Vila, eu apenas agradeço

Valeu, Zumbi!

Nenhum comentário:

Postar um comentário