terça-feira, 14 de setembro de 2010

Arte ou Loucura?


O processo desta tese sobre Arte e Loucura teve inicio em março de 2008 e se deu à partir da minha proposta em abordar em uma exposição coletiva esta questão tão complexa e ao mesmo tempo tão fascinante e abrangente sobre a eterna pergunta que o homem se faz: todo artista é louco? E o que é loucura no ponto de vista da arte?

Tratei sobre o tema da genialidade, da arte e da loucura. Minha tese é que os verdadeiros gênios são raros no curso do acontecer histórico. No mais das vezes, o que se encontra são indivíduos talentosos que, procurando alívio para o seu sofrimento, fazem a projeção e a catarse de suas dores nas obras de arte que produzem. Desta forma, homens talentosos, alavancados pela sua psicopatologia, são capazes de produzir as obras-primas da arte universal.


Em Phaedrus 245 (Platão), Sócrates aparece afirmando que os poetas são susceptíveis à loucura, chegando, mesmo, a asseverar que não obteriam sucesso sem ela. Nos diálogos com Íon de Chios, Sócrates declara que os poetas e os críticos são possuídos pela loucura, de modo que eles chegam a perder, conscientemente, o controle sobre suas palavras. No Problemata 30, de Aristóteles, diz o mestre que os poetas e os filósofos têm uma inclinação excessiva à melancolia.


O exaustivo, atual e excelente trabalho publicado por Felix Post, após ter estudado 291 biografias de homens geniais, conclui que graves desvios de personalidade são freqüentes nos artistas plásticos e nos escritores. Avança em suas observações, chegando a dizer que a depressão e o alcoolismo, certamente estariam intimamente ligados a formas de verdadeira criatividade. Cremos que aqui poderíamos citar, sem temor de errar, como exemplos dessa assertiva, Edgar Allan Poe, Baudelaire, Verlaine, Rimbaud, Hemingway, Faulkner e por aí vai.


Slater depois de cuidadosos trabalhos a respeito do excitante tema de criatividade e da patografia, afirma que o evento psicopatológico, quando presente, exerce o poder de alavancar a atividade criadora. Vários outros autores chegaram mesmo a levantar a hipótese de causa e efeito entre anormalidades mentais, sua psicopatologia e a criatividade artística. Certa ligação entre criatividade e tendência a doenças afetivas hoje é largamente aceita, bem como há numerosas publicações, como a de Jamison (1993), advogando uma específica relação entre a criatividade e desordens (bipolares) maníaco-depressivas.


Felix Post cita como pacientes com sérios problemas da psicopatologia ou graves distúrbios sexuais: Charlotte Brontë, Colette, George Eliot, Virginia Woolf e Marie Curie. Na pesquisa de F. Post, os cientistas têm uma baixa prevalência quanto às anormalidades psíquicas, ao contrário dos compositores, políticos, artistas, pensadores e escritores. Quanto à sexualidade, Hitler apresentava ejaculação precoce, enquanto que, em Gandhi, vamos notar uma sublimação da atividade sexual, por deslocamento, para a atividade política, e a conseqüente cessação do intercurso conjugal. Carlyle, Ruskin e Tchaikovsky mostraram-se incapazes de consumar o casamento. O exibicionismo e o alcoolismo de Utrillo chegaram a levá-Io a internação hospitalar.


Quanto à orientação sexual outras, dentre os gênios homossexuais poderíamos citar: Michelangelo, os compositores Britten e Tchaikovsky, os filósofos Foucault e Wittgenstein. Bissexuais, mas predominantemente homossexuais, foram John Maynard Keynes e André Gide. Outros homossexuais, Somerset Maughan, Proust, Oscar Wilde, Aldo Bonadei, Nijinsky, Jean Cocteau, Garcia Lorca. Dentre homossexuais latentes, Leonardo da Vinci, Gógol e Henry James.


Quanto a doenças da psiquiatria manifestas em personalidades geniais, pode-se lembrar os nomes de Donizetti, Virginia Woolf e Hemingway como apresentando o Transtorno Afetivo Bipolar (ou, Psicose Maníaco-Depressiva); em Schumann, a esquizofrenia paranóide. Van Gogh é um caso interessante, pelos vários diagnósticos que lhe já foram conferidos. De minha parte concordo plenamente com Gastaut, pensando tratar-se de um caso de epilepsia psicomotora (ou epilepsia do lobo temporal). Strindberg era esquizofrênico, dependente de absinto e álcool. James Joyce, esquizóide e esquizopata, que durante um período de depressão, apresentou alucinações auditivas. Lendo Ulysses, de Joyce, Jung viu neste livro um exemplo de uma obra produzida por um cérebro esquizofrênico.


Felix Post diz que, em contraste com os cientistas, os novelistas e dramaturgos costumam apresentar em seus ascendentes, casos psiquiátricos, bem como, de regra, tiveram uma infância e uma vida adulta sofrida. Em contraponto com os cientistas, os escritores, artistas e intelectuais freqüentemente apresentam dificuldades psicossexuais e conjugais: como exemplos, podemos recordar Kleist, Wagner, Sade, Verlaine, Ginger, Picasso, Salvador Dali, Pound.


O conceito de gênio originou-se em um núcleo de indivíduos dotados de manifestas e excepcionais aptidões para a expressão artística ou para a investigação. Neles notamos o mais alto grau da capacidade mental criadora, em qualquer sentido da atividade humana. Se a obra de um homem transcende o condicionamento sociológico da conjuntura em que foi produzida, tornando-se universal, poderemos dizer que temos diante de nós um gênio. Este ocupa o patamar exponencial do espírito humano, tornando-se um epígono do curso histórico; transformando-se em uma individualidade peculiar e excepcional, no tropel da humanidade que não pára.
Por outro lado, o homem suficientemente feliz, o Homo medius, aquele que, com muita clareza e visão, foi definido por Bovio como sendo o mais dócil e acomodatício, isto é, o mais capaz de adaptação a todas e às menores circunstâncias da vida social, será, via de regra, do ponto de vista da imaginação criadora, um medíocre. Não terá necessidade de potencializar suas hipotéticas virtuosidades e talentos, pois que, satisfeito de modo pleno com os conceitos da vida e de mundo da época em que vive, a ela se acomodará sossegada e frouxamente.


O gênio verdadeiro, genuíno, ninguém explica. Creio, contudo, que o verdadeiro talento, propulsionado pelo sofrimento da loucura, da desadaptação, tem, nas suas turbulências anímicas, um papel potencializador, impulsor de suas potencialidades, podendo elevar a obra de um grande talento às culminâncias da obra genial. Como exemplo esplêndido de nossa tese, temos Kleist, que só na iminência do suicídio (de formulação tipicamente psicótica), escreveu o seu genial poema Litania da Morte. Picasso só formulou e concebeu o cubismo, em decorrência de sua esquizofrenia latente, e o mesmo se pode dizer de Salvador Dali.


Pensamos que os gênios, os que chamamos de genuínos (Leonardo da Vinci, Michelangelo, Bach) são algo escassos no decorrer do curso da história. No mais das vezes, pensamos se tratar de grandes talentos, que pelos sofrimentos e angústias da loucura, tiveram necessidade premente, para seu alívio anímico, de produzir artisticamente. Pela sua imperiosa necessidade de projeção e catarse, ao produzir uma obra de arte genial, o artista logra, concomitantemente, algum alívio anímico, que a projeção e a purgação de suas cargas emocionais angustiantes, provindas de sua loucura, lhe podem proporcionar.


Se entendermos a loucura como o fruto de um conjunto de distúrbios graves dos processos perceptivos, do juízo crítico de realidade, da consciência moral, da consciência do eu e dos objetos, dos afetos, sentimentos e dos processos intelectivos, vamos perceber que tal situação clínica será vivenciada de maneira terrivelmente angustiante pelo paciente. Sendo, este, talentoso, há de querer aliviar seu sofrimento através de sua arte, projetando aflitivamente, na tela, no mármore, no papel, suas angústias, purgando seu padecer, e elevando, desta forma, às culminâncias geniais, a sua obra artística.


A loucura, em si, nada cria. Haja vista o caso de HöIderlin que, à medida em que a demência esquizofrênica, incipientemente progredia, seu talento poético foi-se extinguindo. A loucura, em si mesma, separada de outros fatores que estão amalgamados na personalidade, tudo destrói. Porém, se a loucura se abate sobre um talento ou um gênio, não o consumirá de todo. Ele se defenderá pela projeção e pela catarse, situando-se em uma zona instável, entre a insanidade e a normalidade. Aí encontraremos a zona de luz da verdadeira criação artística genial, pois que ainda algo apegado à realidade, pode o artista produzir obras que as mentes comuns jamais seriam capazes de fazê-las (por exemplo, o impressionismo, o fauvismo, o cubismo, o surrealismo, o abstracionismo, as colagens, a arte conceitual).


Se por um lado encontramos o homem normótico, o homem médio, com sua filosofia de Sancho Pança, que por nada quer perder sua tranqüilidade, e com sua ingênua indiferença diante do insólito, não se aborrece; por outra parte temos o indivíduo excepcional, o talento, à genialidade alçado pela loucura, parcialmente psicopático, com seus nervos hipersensíveis, suas vivas reações afetivas, sua escassa capacidade de adaptação, humores e destemperos, angústias e ansiedades, a produzir a arte eterna, fruto dessas erupções anímicas e tectônicas da personalidade e assim o faz seu próprio alívio, para a glória de seus posteriores e gáudio da humanidade.


Contrariamente à tese de Foucault, julgo que a loucura deva ser tratada e que ela, por si só, nada cria. As demências esquizofrênicas de Nijinsky, Salvador Dali e HöIderlin são exemplos bem característicos do que disse. A loucura tudo destrói, quando dissocia ou demencia uma personalidade. Em contraposição, VilIa-Lobos e Stravinsky, por exemplo, eram pessoas geniais, mas pragmáticas e bem adaptadas à sua época e às exigências de seu tempo.


Nosso trabalho é de que os gênios verdadeiros, ao contrário do que supôs Kretschmer em Homens Geniais, são escassamente encontrados na história da humanidade. Os grandes talentos, que são a maioria dentre os artistas tidos como "geniais", é que, quando acometidos de processos psicopatológicos, procuram, avidamente, aliviar a sua tensão, o seu sofrimento, produzindo artisticamente, fazendo a projeção e a catarse de sua dor.


Assim, é que surgem as obras geniais. Não estabeleço, pois, uma ligação inelutável entre a loucura e a genialidade, como querem Eysenck, Andreason, Jamison e Hare; nem estabeleço uma relação direta, de causa e efeito, entre uma obra artística genial e o possível "gênio" que a elaborou. Penso, sim, que na grande maioria dos casos, em que se observam obras geniais, seus autores eram, sim, indivíduos talentosos, cuja necessidade de criação artística representava o elemento leniente para a dor de sua loucura.


Como exemplo, posso citar Rimbaud: não existiria Une Saison en Enfer, sem o seu desvario. Não existiria o cubismo sem a dissociação do pensamento de Picasso em Les Demoiselles d'Avignon; nem Les Fleurs du Mal sem a loucura de Baudelaire e, nem mesmo, o Ulysses sem a esquizofrenia de Joyce, na opinião de Jung, que, aliás, fizera o mesmo diagnóstico de Picasso ao visitar uma exposição de sua pintura em Zurique.
Em suma, penso que as obras artísticas geniais são, no mais das vezes, produtos de um talento que sofre, do que a criação plácida de um gênio verdadeiro.


Essa tese assim exposta justificaria a presença de tantas doenças mentais e transtornos de personalidade em indivíduos tidos como "geniais" e que legaram sua obra, fruto de seu sofrimento, para a admiração e o deleite da posteridade.



Santiago Ribeiro

Um comentário: