terça-feira, 23 de março de 2010

A Lira dos Excluídos

A mão que eu cato o lixo
Não é a mão com que eu devia ter.
Não tenho para ganhar
Na mesa da minha casa
O pão bom de cada dia.
Como não tenho, aqui estou.
Catando lixo dos outros,
O resto que vira lixo.
Não faz mal se ficou sujo,
Se os urubus beliscaram,
Se ratos roeram pedaços,
Mesmo estragado me serve,
Porque fome não tem luxo.
A mão que eu cato o lixo
Não é a que eu devia ter.
Mas a mão que a gente tem
É feita pela nação.
Quando como coisa podre
Depois me torço de dor
Fico pensando: tomara
Que esta dor um dia doa
Nos que tem tanto, mas tanto,
Que transformaram pão em lixo
Com meus dedos no monturo
Sinto-me lixo também.
Não pareço, mas sou criança.
Por isso enquanto procuro
Restos de vida no chão,
Uma fome diferente,
Quem sabe é o pão da esperança
Esquenta meu coração:
Que um dia criança nenhuma
Seja mão serva do lixo.




Santiago Ribeiro

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